“The Last Days of Disco” (o título autoexplicativo) retrata os últimos suspiros da cena disco em Nova York no fim dos anos 1980. Protagonizado por Chloë Sevigny e Kate Beckinsale, o filme acompanha duas jovens recém-formadas que trabalham como editoras literárias durante o dia e fieis frequentadoras do famoso Club (um Studio54 inspired) à noite.
Com o fim da era disco e a ascensão do otimismo econômico na época, em um cenário marcado pelo neoliberalismo, o filme captura o espírito de uma geração: o movimento dos Yuppies (Young Urban Professional). Jovens ambiciosos do mercado corporativo, obcecados por sucesso profissional, alta performance, status social e aparência. Pense em Patrick Bateman (American Psycho), mas com receitas de estabilizador de humor.
Venho mapeando o ressurgimento da estética dos anos 80 desde o lançamento do segundo álbum da cantora Slayyyter, Starfucker (2023), no qual a referência é 100% explorada na direção criativa. Depois disso, analisei os cenários e cores de The Substance (2024) e The Last Showgirl (2024), além do próprio universo de MaXXXIne (2024). De mais recente, o remake de Vale Tudo (2025) - nem amamos, né?
Diferente dos exemplos acima, em que o comeback é majoritariamente estético, o que me capturou em “The Last Days of Disco” foi o reflexo comportamental com os tempos atuais. Crise econômica global, espaços culturais noturnos em extinção, o corpo como ferramenta de alta performance e a estetização do trabalho: tudo soa estranhamente familiar.
O que me leva a questionar: quem são os Yuppies de 2025?
Aviso: antes de iniciarmos a edição de hoje, é necessário entendermos algumas coisas que marcaram os anos 1980 de maneira global.
⭐ Neoliberalismo como nova ordem econômica - Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA consolidaram um modelo político que defendia o individualismo, o livre mercado e o Estado mínimo.
⭐ Status financeiro como identidade: a ascensão de Wall Street e o culto à especulação transformaram o mercado financeiro em palco de fetiche e status.
⭐ O nascimento da “cultura do desempenho”: alta performance, produtividade, competição e sucesso passaram a ser um ideal de vida — dentro e fora do trabalho.
⭐ Consumo como expressão de poder: marcas como Rolex, BMW e Armani tornaram-se símbolos de pertencimento à elite. O yuppie era definido não só por quanto ganhava, mas por onde comia, que vinho tomava, que tipo de música escutava. Isto é, lifestyle.
⭐ Cultura pop e mídia como agentes de fantasia aspiracional: a MTV, os videoclipes, as novelas e os blockbusters criaram um universo de desejo visual — moldando comportamentos e vendendo estilos de vida embalados em neon, laca e sintetizador.
O YUPPIE DE 2025
Se nos anos 1980 a droga de vez para o desenvolvimento da alta performance era a cocaína, atualmente temos Super Coffee, Ritalina e grupos no Gym Rats que desafiam nosso desgaste físico graças à gamificação da motivação.
E, assim como nos anos 1980, quando a vilã Odete Roitman destratava as personagens “caipiras” de Vale Tudo, o capital cultural emerge como o grande diferencial de valor próprio para um Yuppie. Se, na década neoliberal, o que importava era o dinheiro e nada mais, a alta sociedade sabia distinguir um Yuppie de um jovem old money. O conhecimento, as habilidades, os gostos e os modos de vida dos jovens descolados e trabalhadores influenciam em seus lugares na sociedade.
O capital econômico não é – e nunca foi – o único determinante do nosso valor individual: os Yuppies diferenciam-se por suas curadorias de livros, filmes, músicas, obras de arte e marcas de roupa. As referências culturais, se escassas, podem denotar que o capital cultural de Yuppies está em falta. Em Vale Tudo, traduz-se em Maria de Fátima e seu “conteúdo”, TikToks de dancinha ou stories motivacionais.
Logo, o branding tornou-se também uma ostentação. Antes, os Yuppies gastavam seus dinheiros com um Rolex e terno Armani – agora, prezam por assinar o canal de streaming Mubi, que contém filmes independentes, alternativos e bem premiados, por frequentar clubes privativos como Soho House, por usar perfume da Loewe e, evidentemente, por divulgar nos stories suas avaliações dos mesmos filmes cult no Letterboxd.
Em 2025, vivemos em uma ambição silenciosa. Tudo isso ao mesmo tempo em que compartilhamos longos textos sobre burnout e saúde mental.
Super indico de leitura o texto “Your Cultural Consumption Is Just A Curated Coping Mechanism”, da Culture Vulture.
“The modern millennial's mind isn't just busy; it's strategically overscheduled. We've mastered the art of constant consumption - podcasts that make us feel intellectually robust, music that precisely calibrates our emotions, TV shows we binge not only for pleasure but for escape. We swap recommendations like survival tools...” - Your Cultural Consumption Is Just A Curated Coping Mechanism.
O TRABALHO COMO PERFORMANCE
“Vem passar o dia comigo sendo gestora de marketing de uma marca de moda de luxo”
Antes o TikTok era dominado por vídeos de rotinas de #SkinCare (+618B views) ou #GRWM (+157B views). gora, vemos a estética da produtividade ocupando o feed em novos formatos como #CareerTok (+3,09B views) e #DayInTheLife (+18,6B views). O cotidiano profissional, desde o look do dia até reuniões estratégicas, como também conteúdos em refeitórios, são destaques.
Mas, se o trabalho virou performance, o escritório virou cenário, e a vulnerabilidade virou estratégia, será que ainda somos apenas funcionários — ou também nos tornamos uma espécie de conteúdo para a empresa?
O Employee-Generated Content (EGC) é uma das novas estratégias de mídia que marcas e empresas como Duolingo (com seus conteúdos de bastidores do time de marketing), Sephora (e seus tutoriais), Ganni (com a editoria #GanniTeam no TikTok) e Marc Jacobs (o estilista e owner é figura presente nos canais oficiais dublando memes ou criando storytellings criativos e absurdos - já falei sobre a estratégia de conteúdo da marca no TikTok do Signals).
Se antes os conteúdos das empresas focavam apenas no Linkedin, o EGC quebrou essa limitação espalhando-se para o TikTok, Instagram, Substack, YouTube e Spotify.
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Cases como Duolingo, Sephora, Ganni e Marc Jacobs comprovam que a nova cara da marca é quem trabalha nela. Não é mais sobre CEOs visionários e suas frases motivacionais — mas sobre a estagiária que faz um unboxing do kit de boas-vindas ou o gerente que viraliza mostrando o estoque de produtos com a trilha de 360 da Charli XCX.
É fácil de aceitar que ter as qualidades necessárias para ser um "influencer da firma" virou um diferencial competitivo. A performance profissional agora inclui uma boa dicção para reels e ser cronicamente on-line. O branding pessoal e o branding profissional se fundem — e a distinção entre "trabalho" e "personagem de trabalho" fica cada vez mais borrada.
O EGC, claro, também tem seus méritos. É divertido, engaja e humaniza. O funcionário se sente visto, o consumidor se sente parte de algo. Todos trocam likes.
Mas em um mundo onde a aposentadoria dos Millennials é incerta, a crise de propósito virou rotina semanal, escassez do trabalho remoto e os imóveis corporativos vazios que precisam gerar capital - o sistema necessita de uma nova fantasia antes que mais quitting something situation aconteça.
Mais do que flexível, o trabalho agora precisa parecer desejável. Autêntico. Inspirador. Sexy. Essa talvez seja a missão do EGC: reencantar o sistema através da estética, atraindo assim os profissionais da geração Z.
Enquanto o espírito punk aparece nas passarelas da Vivienne Westwood, no backstage, vestimos o novo uniforme yuppie — agora suavizado por fontes serifadas, uma boa curadoria de filmes independentes e uma autenticidade em constante conflito performático.
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Genial, obrigado por isso! Fiquei imaginando o Yuppie Handbook dos 2020: https://archive.org/details/yuppiehandbookst00pies/mode/2up